A crise interna no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que veio à tona com o protesto dos servidores contra a gestão de Márcio Pochmann, reforça as suspeitas de um possível controle político das estatísticas oficiais do país. Nomeado há um ano pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Pochmann é uma figura conhecida por seu alinhamento político ao Partido dos Trabalhadores (PT), o que gera preocupação sobre a imparcialidade dos dados produzidos pelo órgão.
O Sindicato dos Trabalhadores em Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatística (Assibge) convocou para o dia 26 de setembro um ato em frente à sede do IBGE no Rio de Janeiro, em protesto contra o que classificam como “postura autoritária” de Pochmann. Eles exigem mais transparência nas decisões que afetam a estrutura do órgão e condenam a criação de uma nova fundação, o IBGE+, que eles apelidaram de “IBGE paralelo”.
O ponto mais controverso dessa crise é a criação do IBGE+, uma fundação pública de direito privado que, segundo os críticos, enfraquece a independência do instituto ao permitir contratações pela CLT e financiamentos através de parcerias com a iniciativa privada. Essa estrutura paralela gera receios de que as estatísticas oficiais possam ser moldadas para atender a interesses políticos, um cenário que remete ao controle estatal de dados em regimes autoritários, como alertam especialistas.
Perda de credibilidade
A possibilidade de manipulação dos números oficiais é uma das maiores preocupações expressadas pelos técnicos do IBGE e por analistas de mercado. O instituto é responsável por produzir dados essenciais para a formulação de políticas públicas, como os índices de inflação e desemprego, e sua credibilidade é fundamental para a confiança de investidores internacionais.
Eduardo Galvão, diretor de relações institucionais da consultoria BCW, afirma que a crise interna no IBGE ameaça a reconquista do grau de investimento pelo Brasil. “A confiança nas instituições de pesquisa é essencial para o mercado financeiro. Se os dados do IBGE forem vistos como politicamente manipulados, o país pode perder credibilidade e investimentos estrangeiros”, alertou.
Poder centralizado
A estrutura da nova fundação IBGE+ centraliza o poder nas mãos do presidente do instituto, que pode nomear diretores e membros do conselho curador sem a necessidade de que sejam servidores de carreira. Essa concentração de poder e a abertura para parcerias com a iniciativa privada sem as mesmas limitações orçamentárias impostas ao órgão público geram suspeitas de uma possível instrumentalização política do IBGE, algo que críticos compararam ao controle das estatísticas na Argentina durante o governo Kirchner.
VanDyck Silveira, analista financeiro, destaca o risco de que essa nova estrutura paralela seja usada para “melhorar” artificialmente os dados do governo. “Estamos diante de um cenário em que os números do PIB, inflação e emprego podem ser influenciados por interesses políticos, o que seria catastrófico para a credibilidade do Brasil no cenário global”, afirmou.
Perfil político de Pochmann e impacto na independência do IBGE
Márcio Pochmann é conhecido por sua militância política e por seu histórico no Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea), onde, durante o governo Dilma Rousseff, foi acusado de alterar metodologias para aumentar artificialmente o número de pessoas classificadas como classe média. Sua nomeação para o IBGE, embora vista como polêmica por setores técnicos e econômicos, foi apoiada pelo núcleo duro do PT, que tem buscado fortalecer o controle do Estado sobre setores estratégicos.
Para Ismar Becker, conselheiro empresarial, a escolha de Pochmann foi um erro estratégico do governo Lula. “Quando se nomeia alguém com uma agenda política clara para liderar um órgão técnico como o IBGE, você põe em risco a independência e a qualidade dos dados. Isso pode se tornar a maior crise deste governo”, disse.
A crise pode desestabilizar governo
A crise no IBGE pode ser mais uma dor de cabeça para o governo Lula, que já enfrenta desafios econômicos e políticos em várias frentes. A falta de diálogo com os servidores e a imposição de mudanças drásticas na estrutura do órgão sem a devida consulta ou transparência minam a confiança na gestão de Pochmann e colocam em dúvida a capacidade do governo de manter a credibilidade das estatísticas nacionais.
Simone Tebet, ministra do Planejamento, que inicialmente gerou expectativas de resistir à nomeação de Pochmann, acabou apoiando o economista em seu projeto de reestruturação do IBGE, frustrando aqueles que esperavam uma postura mais técnica e menos politizada. Esse apoio do governo, somado às declarações de Lula, que endossam a agenda de Pochmann, aponta para uma possível continuidade do controle político sobre o IBGE, o que pode trazer sérias consequências para a governança dos dados no Brasil.
Rita Mundim, economista da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), alerta para os riscos que o Brasil enfrenta se a crise não for contida. “O IBGE é o coração das estatísticas do país. Se o órgão perde credibilidade, o governo também perde. Isso pode se tornar uma crise institucional de grandes proporções, afetando diretamente a confiança dos mercados e a própria governabilidade”, concluiu.
A crise no IBGE é mais um sinal de alerta sobre o quanto a interferência política pode comprometer a eficiência de instituições públicas e, pior ainda, desestabilizar a confiança em dados que são cruciais para o desenvolvimento econômico e social do país.