Segundo economistas, a liberação de recursos é baseada em propostas otimistas e compromissos de redução de juros
O governo descongelou R$ 1,7 bilhão do Orçamento de 2024 amparado pela reoneração gradual da folha de pagamento e também no crescimento da arrecadação. A medida anunciada pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda na última sexta-feira, alivia a busca pelas pressões orçamentárias e sustenta a execução fiscal. No entanto, o movimento levanta preocupações sobre as possibilidades públicas de manter o equilíbrio das contas diante das projeções econômicas cada vez mais desafiadoras.
O Relatório Bimestral de Receitas e Despesas, enviado ao Congresso, revelou que o volume de recursos congelados no orçamento foi reduzido de R$ 15 bilhões para R$ 13,3 bilhões. Ao mesmo tempo, as despesas bloqueadas subiram de R$ 11,2 bilhões para R$ 13,2 bilhões.
“O recente descongelamento de despesas contrariou as expectativas do mercado. A expectativa era de que houvesse um esforço mais significativo para enfrentar os desafios fiscais do lado das receitas. Contudo, o que se viu foi uma redução, ainda que moderadamente, no esforço para controlar as despesas”, diz Silvio Campos Neto, economista-chefe da Tendências Consultoria.
Segundo ele, do lado das receitas, a agenda já parece dar sinais de esgotamento, o que é natural em um país com uma carga tributária elevada, como o Brasil. “O governo tem recorrido a fontes de receitas extraordinárias, que não estão necessariamente vinculadas à arrecadação tributária, para cobrir parte do déficit. Analistas e mercados estão atentos a essas manobras, e mesmo que o governo cumpra a meta fiscal para este ano – no limite inferior, com um déficit de 0,25% do PIB – isso não representaria uma melhoria estrutural nas contas públicas, nem traria ruptura às preocupações dos investidores”, pontua.
O governo revisou sua projeção de déficit primário para 2024 para R$ 28,3 bilhões, apenas R$ 400 milhões abaixo do limite máximo estabelecido pelo novo arcabouço fiscal. Pelas normas atuais, é permitido um rombo de até R$ 28,8 bilhões sem que a meta seja oficialmente descumprida. No entanto, ao incluir despesas fora dessa meta, como a ajuda financeira ao Rio Grande do Sul, a previsão de déficit sobe para R$ 68,8 bilhões neste ano.
O Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu um alerta sobre o risco de descumprimento da meta fiscal. Segundo o órgão, as receitas projetadas para o ano estão aquém do esperado devido à frustração de receitas com a reintrodução do “voto de qualidade” no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
O aumento dos gastos, mesmo que parcialmente compensado por uma elevação nas receitas, coloca o governo em uma corda bamba entre o cumprimento de suas promessas fiscais e a possibilidade de pressão alimentar inflacionária.
As projeções econômicas já refletem esse cenário de incerteza. O mercado revisou para cima suas expectativas para o IPCA de 2024, que subiu para 4,37%, próximo do teto da meta de 4,50%. Ao mesmo tempo, a expectativa para a taxa Selic aumentou para 11,50%, o que indica que o ciclo de elevação dos juros será mais agressivo do que o inicialmente previsto. Se os gastos continuarem a crescer sem uma contrapartida sustentável em receitas, a inflação poderá escapar do controle, obrigando o Banco Central a adotar uma política monetária ainda mais restritiva.
Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário da Fazenda e do Planejamento, a liberação de recursos é baseada em opções otimistas. “O governo revisou para baixo, como havíamos indicado que precisaria de segurança, as receitas administradas, que estavam infladas, mas substituíu essa arrecadação projetada por depósitos judiciais e dividendos. São receitas incertas e não recorrentes”, alerta. Ainda que ele não veja o motivo do alarme imediatamente, o risco de exclusão fiscal no longo prazo permanece.
Já Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest e ex-secretário da Fazenda, expressou preocupações com o impacto dessa política sobre os ciclos financeiros. “O governo está mirando o limite inferior da meta, o que é ruim para o gerenciamento das expectativas. Isso pode comprometer um novo ciclo de afrouxamento de juros em 2025-2026”, observa, indicando que o equilíbrio entre gastos e arrecadação deve ser gerenciado com maior rigor.
A dinâmica da dívida pública, que continua a crescer, é outro ponto de preocupação. Com mais gastos e juros mais altos, a dívida cresce. “Mesmo com os esforços para cumprir a meta fiscal, a dívida se aproxima de 80% do PIB, com projeções de atingir 90% nos próximos três a quatro anos. Esse cenário praticamente inviabiliza qualquer tentativa de governo de recuperação do grau de investimento no curto prazo, e as agências de classificação de risco não devem oferecer qualquer sinal positivo ao governo nas reuniões previstas”, diz Campos Neto.
A realidade é que, enquanto o governo busca formas de sustentar sua base fiscal, o aumento dos gastos públicos, sem uma recuperação firme das receitas, pode minar a confiança do mercado e prejudicar a política monetária. As consequências de um desequilíbrio fiscal prolongado são claras: inflação persistente, juros elevados e crescimento econômico estagnado — um cenário em que o Brasil não pode se dar ao luxo de reviver.