O governo de Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta crescente desconfiança em relação à sua política fiscal, à medida que se tornam mais evidentes as inconsistências entre o discurso oficial e a prática adotada na gestão do gasto público. Em meio a um cenário de endividamento crescente, o governo tem recorrido a uma série de manobras fiscais para tentar cumprir as metas estabelecidas no novo arcabouço fiscal. No entanto, esses subterfúgios pouco contribuem para a credibilidade das contas públicas e a estabilização da dívida.
Recentemente, o sócio-diretor da Gibraltar Consultoria, Marcos Lisboa, em entrevista ao Estadão, destacou alguns dos truques fiscais usados pelo governo. Um dos exemplos mais notórios foi a prorrogação da desoneração da folha de pagamento para 17 setores, onde o Tesouro Nacional passou a contabilizar como receita primária os recursos esquecidos em contas bancárias, como se fossem receitas próprias. Essa prática distorce o resultado fiscal e mascara a real situação das finanças públicas.
Outro exemplo é o programa “Gás para Todos”, uma nova versão do Auxílio Gás, onde o governo anunciou a quadruplicação dos gastos e a ampliação do público atendido, enquanto ao mesmo tempo reduziu em 84% o valor orçamentário para o programa em 2024. A Caixa Econômica Federal foi incumbida de gerenciar os recursos sem que eles transitem pelo Orçamento, em uma tentativa de contornar os limites impostos pelo arcabouço fiscal.
A interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) também tem sido um fator que contribui para a flexibilização das regras fiscais. Em uma decisão recente, o ministro Flávio Dino autorizou o governo a abrir créditos extraordinários no Orçamento para combater queimadas na Amazônia e Pantanal. Embora o combate a incêndios seja uma questão urgente, a decisão estimulou o uso de créditos fora do limite de despesas, o que levanta preocupações sobre o impacto na dívida pública.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, defendeu que essas despesas sejam excluídas do cálculo dos limites fiscais, sustentando que é “justo” excluir gastos emergenciais desse tipo. No entanto, essa postura favorece uma mentalidade de “gastar sem cortar”, o que, a longo prazo, pode prejudicar a sustentabilidade das contas públicas.
Para Marcos Lisboa, o que realmente importa é o crescimento da dívida pública. O cumprimento das metas fiscais por meio dessas artimanhas não garante a estabilidade da dívida como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). O arcabouço fiscal e as metas não são objetivos finais, mas ferramentas para impedir que a dívida aumente descontroladamente. Se a dívida continuar a crescer, mesmo com as metas formais sendo alcançadas, isso prova que as regras foram distorcidas ou que não eram robustas o suficiente desde o início.
O risco de tantas exceções e flexibilizações no cumprimento das metas fiscais reforça a importância de se perseguir o centro da meta, e não apenas o limite. Quando o governo mira no esforço mínimo permitido, as manobras fiscais se tornam inevitáveis, criando uma falsa impressão de que as finanças estão sob controle. Contudo, a dívida bruta não mente — ela reflete a realidade dos fatos, expondo as falhas nas políticas e na gestão econômica.
Enquanto o governo ignora o impacto de suas ações sobre a dívida pública, a confiança dos mercados e da sociedade na política fiscal do Brasil pode se deteriorar, trazendo consequências graves no médio e longo prazos.