Medida permite uso de valores esquecidos em instituições financeiras para atingir metas fiscais, contrariando o Banco Central, responsável por auditar as contas públicas.
BRASÍLIA – A Câmara dos Deputados finalizou, na última quinta-feira (12), a votação do projeto de lei que prorroga a desoneração da folha de pagamento para empresas que mais empregam no Brasil e para pequenos municípios em 2024. O texto prevê uma reoneração gradual a partir de 2025 e segue agora para sanção presidencial.
A proposta foi aprovada a três minutos do fim do prazo estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com 253 votos favoráveis, 67 contrários e 4 abstenções. A sessão, interrompida na madrugada, foi retomada na manhã de quinta-feira para aprovação da redação final, aprovada simbolicamente. O projeto já havia sido aprovado pelo Senado e, com as alterações consideradas apenas ajustes de redação, não precisará passar novamente pelos senadores.
Utilização de Valores Esquecidos para Cumprimento de Metas Fiscais
Uma das principais mudanças no texto aprovado é a possibilidade de o Tesouro Nacional utilizar valores esquecidos em instituições financeiras como parte do cumprimento da meta fiscal do governo, mesmo que esses valores não sejam computados como receita primária pelo Banco Central (BC). Hoje, o cálculo oficial para a verificação do resultado primário é realizado pelo BC, e a medida gerou críticas.
Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro e head de macroeconomia do ASA, afirmou que a nova redação “força um entendimento sobre o cumprimento da meta”, e questionou a tentativa de uma lei ordinária delimitar poderes atribuídos ao BC por uma lei complementar do arcabouço fiscal.
Essa medida foi incluída no texto pela relatora anterior da proposta, deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), como parte de um acordo com o Ministério da Fazenda. No entanto, Ortiz abriu mão da relatoria, que passou para o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), após manifestar discordância sobre a forma como a negociação foi conduzida.
Críticas do Banco Central e Sanção Imediata
O Banco Central havia enviado uma nota técnica criticando a inclusão desses montantes esquecidos nas contas bancárias — que somam R$ 8,6 bilhões — no cálculo das contas públicas. O BC argumentou que essa incorporação estaria “em claro desacordo com sua metodologia estatística”, contrariando orientações do Tribunal de Contas da União (TCU) e o entendimento recente do STF sobre o tema.
Apesar das críticas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve sancionar o projeto assim que ele chegar ao Palácio do Planalto. A aprovação rápida visa evitar a volta da decisão do ministro do STF Cristiano Zanin, que determinou a reoneração da folha, caso o projeto não fosse aprovado até o fim do prazo estabelecido.
Reoneração Gradual da Folha de Pagamento
A reoneração da folha de pagamentos será gradual entre 2025 e 2027. A partir do próximo ano, haverá uma cobrança híbrida, combinando uma parte da contribuição sobre a folha de salários com a taxação sobre a receita bruta:
- 2025: 80% da alíquota sobre a receita bruta e 25% sobre a folha;
- 2026: 60% sobre a receita bruta e 50% sobre a folha;
- 2027: 40% sobre a receita bruta e 75% sobre a folha.
Em 2028, retoma-se integralmente o pagamento da alíquota sobre a folha, sem a cobrança sobre a receita bruta. Como contrapartida, as empresas devem manter ao menos 75% dos empregados.
Outras Medidas Compensatórias e Contexto da Desoneração
Além do uso de valores esquecidos, o projeto inclui outras medidas compensatórias, como o uso de depósitos judiciais, atualização de bens no Imposto de Renda, repatriação de ativos mantidos no exterior e renegociação de multas aplicadas por agências reguladoras. A equipe econômica do governo, no entanto, argumenta que essas medidas podem não ser suficientes para compensar a desoneração em 2025.
O governo também enviou ao Congresso um novo projeto de lei para aumentar a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e alterar o Imposto de Renda sobre Juros sobre Capital Próprio (JCP), medidas que enfrentam resistência.
Impacto da Desoneração da Folha de Pagamento
Criada em 2011 para setores intensivos em mão de obra, a desoneração da folha beneficia empresas que empregam cerca de 9 milhões de pessoas, substituindo a contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, reduzindo a carga tributária dessas empresas. O projeto aprovado agora pretende manter o benefício até 2027, estabelecendo um retorno gradual à tributação plena a partir de 2028.
Setores Beneficiados
A desoneração abrange 17 setores da economia, incluindo confecção, vestuário, calçados, construção civil, call center, comunicação, couro, fabricação de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação (TI), tecnologia de comunicação (TIC), transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo, transporte rodoviário de cargas, entre outros.