Uma declaração de uma das principais autoridades eleitorais da Venezuela pode abalar o país, já desgastado pela crise. Em uma entrevista, Juan Carlos Delpino, membro do órgão responsável por anunciar a vitória de Nicolás Maduro, afirmou não ter provas de que o ditador venceu as eleições do mês passado. Desde a votação de 28 de julho, governos internacionais expressaram ceticismo e até descrença em relação à vitória de Maduro. A crítica de Delpino, vindo de dentro do sistema eleitoral, é uma novidade significativa.
Delpino afirmou que, até agora, “não havia recebido nenhuma evidência” de que Maduro obteve a maioria dos votos. Nem o órgão eleitoral nem Maduro divulgaram as contagens para respaldar a vitória do ditador, enquanto a oposição apresentou recibos de milhares de urnas mostrando que seu candidato, Edmundo González, teria obtido uma maioria esmagadora.
“Declaração de vitória sem provas é um fracasso para o país”, disse Delpino. Ele se desculpou com o povo venezuelano, afirmando que o objetivo de realizar eleições aceitas por todos não foi alcançado.
Delpino, que faz parte do conselho eleitoral da Venezuela alinhado à oposição, falou com medo de represálias do governo. Nas últimas semanas, as forças de segurança de Maduro têm detido críticos de sua pretensão de mais seis anos no poder, e há temores de que essas forças estejam se expandindo para perseguir opositores.
O Conselho Nacional Eleitoral (C.N.E.), responsável por definir a estrutura das eleições e anunciar os resultados, é uma entidade de cinco membros de grande poder. Quando Delpino foi escolhido para o conselho, muitos na Venezuela acreditavam que isso daria um ar de legitimidade ao órgão.
Em julho, Maduro enfrentou Edmundo González, um diplomata pouco conhecido apoiado pela líder oposicionista María Corina Machado. No fechamento das urnas, o presidente do conselho eleitoral, Elvis Amoroso, proclamou Maduro vencedor com pouco mais da metade dos votos, mesmo sem apresentar documentação comprovando a vitória. A oposição reuniu recibos de mais de 25.000 urnas, que indicam uma vitória de 67% para González.
Delpino, que acordou otimista no dia da votação e estava presente na sede do C.N.E., decidiu não participar da coletiva de imprensa que anunciou a vitória de Maduro. Ele alegou várias irregularidades, como a recusa do C.N.E. em divulgar resultados detalhados e interrupções na transmissão dos dados, o que poderia permitir adulterações.
Diosdado Cabello, aliado de Maduro, acusou Delpino de tentar fraudar a eleição, e o C.N.E. tem enfrentado críticas pela falta de transparência. Os Estados Unidos, Colômbia e Brasil expressaram sérias dúvidas sobre a vitória de Maduro. Dois painéis independentes, das Nações Unidas e do Centro Carter, também questionaram a integridade da eleição.
Se Maduro for empossado novamente em janeiro, ele continuará no poder por mais uma década. Sob seu comando e de seu antecessor, Hugo Chávez, a Venezuela sofreu um declínio econômico significativo. Maduro é investigado pelo Tribunal Penal Internacional e procurado pelos EUA por tráfico de drogas.
Apesar da pressão para uma intervenção militar ou estrangeira, Delpino ainda acredita na via eleitoral para um futuro melhor para a Venezuela, embora reconheça que é necessário um novo protagonista no C.N.E.
Com informações do Estadão.