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Repressão sem precedentes: Mais de 1500 presos políticos e detenções arbitrárias na Venezuela

Por Marina B.

Na manhã de quarta-feira, 7 de agosto, o ex-deputado Américo de Grazia enviou uma mensagem para a filha Maria Andreina, de 30 anos, informando que estava a caminho de um hospital em Caracas devido à piora de uma infecção pulmonar. Foi a última comunicação que Maria Andreina teve com seu pai. A partir daí, a próxima notícia veio dos carcereiros do Helicoide, o principal centro de tortura para presos políticos da Venezuela, que confirmaram que Américo estava detido lá.

Desde então, os filhos do opositor, que residem fora da Venezuela, estão sem informações sobre seu estado de saúde ou sobre a natureza das acusações contra ele. “Não sabemos se ele chegou a ser atendido por um médico. Não sabemos nem se ele está vivo”, disse Maria Andreina em uma videochamada com o Estadão no dia 14 de agosto, durante uma pausa no trabalho em Houston, nos Estados Unidos.

“Mais de uma semana se passou e ainda não recebemos nenhuma informação oficial. Embora tenhamos contato com nossos advogados, não conseguimos abrir um caso formal de denúncia ou defesa, pois não sabemos contra o que estamos nos defendendo”, acrescentou.

Américo de Grazia é um dos mais de 1500 presos políticos contabilizados pela organização Foro Penal desde as eleições de 28 de julho. Esse número, segundo várias organizações da sociedade civil, é sem precedentes no chavismo. Entre os detidos, há 200 mulheres, 129 adolescentes, 14 indígenas e 18 pessoas com deficiência, incluindo adolescentes com autismo, segundo a Foro Penal.

“Estamos atingindo níveis sem precedentes na Venezuela, especialmente em tão pouco tempo”, afirma Gonzalo Himiob, vice-presidente da Foro Penal. Até agora, apenas 90 detidos foram liberados, o que contrasta com a prática chavista de prender e soltar rapidamente, conhecida como “porta giratória”.

A repressão atual é comparável ao Caracazo de 1989, que resultou na morte de cerca de 300 pessoas durante os protestos contra o pacote econômico do então presidente Carlos Andrés Pérez, segundo Rafael Uzcátegui, diretor da ONG Laboratório de Paz. “O governo está promovendo um sistema de terror através dos meios de comunicação e redes sociais para que a população fique em casa, pare de compartilhar informações, participar de protestos e, principalmente, pare de exigir seus direitos”, diz Uzcátegui.

O chavismo apresenta números ainda mais alarmantes, com Nicolás Maduro alegando mais de 2,4 mil presos. No entanto, o Foro Penal só contabiliza casos confirmados, um trabalho que tem exigido um esforço considerável da organização, conforme Himiob.

“Estamos colaborando com outras ONGs, pois a intensidade desta repressão é sem precedentes e extremamente desafiadora”, afirma Himiob. Enquanto o Foro Penal se concentra nos presos, outras organizações, como Provea e Monitor de Vítimas, documentam mortes, feridos e abusos de direitos humanos.

A dificuldade em obter informações é crescente, com relatos de pessoas sendo detidas ao buscar informações sobre seus familiares nas portas das prisões. Algumas organizações estão disponibilizando advogados para ajudar, mas houve casos de detenção de advogados, como Kennedy Tejeda do Foro Penal.

Todos os presos recentes enfrentam falta de informações sobre suas localizações e acusações. Muitos estão sendo acusados sob a lei de terrorismo e contra o ódio. “Primeiro, negam o direito a um advogado privado e impõem uma defesa pública. Depois, as audiências de custódia ocorrem no local da detenção, em vez de um tribunal formal, frequentemente por vídeo, com todos os detidos sendo acusados dos mesmos crimes”, denuncia Uzcátegui, uma informação corroborada pelo Foro Penal e pelo Provea.

As prisões não se limitam a políticos ou ativistas da oposição. Há denúncias de prisões aleatórias, com algumas justificadas por proximidade a locais de manifestações, enquanto outras carecem de explicação. Entre os detidos estão muitos adolescentes e pessoas com deficiência.

Nas redes sociais, a venezuelana Carmem Morillo denunciou que sua filha Victoria, de 16 anos, foi detida em 29 de julho, um dia após as eleições, enquanto caminhava com primas, e levada a um centro de detenção para menores. “Não a vi até agora”, afirmou Morillo.

“A menina tem muitos sonhos, estuda música na orquestra sinfônica, gosta de tocar violão e deseja estudar em um conservatório de música. É uma jovem nobre, empática e humanitária. Quero que ela volte para casa”, disse emocionada. Segundo Himiob, a pessoa mais jovem detida tem 13 anos, e muitos adolescentes estão sendo tratados como adultos.

Com a repressão afetando principalmente áreas de baixa renda e comunidades, a ONG Provea promove mutirões para orientar as famílias dos presos, como o ocorrido em 15 de agosto na Universidade Central da Venezuela. Segundo o presidente da organização, Oscar Murillo, muitas famílias estão enfrentando essa situação pela primeira vez.

A repressão está atingindo principalmente áreas pobres e comunidades em todo o país, tornando o trabalho de auxílio mais difícil, de acordo com Murillo. Ele afirma que o chavismo pode estar visando um número específico de detenções, como os mais de 2,4 mil citados por Maduro, mas não há confirmação dessa teoria.

A Operação Tun Tun, nome inspirado por uma canção e pelo “toc toc” de bater à porta, representa a intensificação da repressão após os protestos de 2014 contra as políticas de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. “Houve duas fases nessa repressão: primeiro, a prisão massiva de pessoas envolvidas em protestos para submeter a população e esmagar qualquer insurgência cidadã. A segunda fase foi a caça aos opositores e quem se manifesta nas redes sociais”, explica Murillo.

Essa fase também ficou conhecida como Operação Tun Tun, onde a repressão gerou cenas de prisão de opositores, como Freddy Superlano e Maria Oropeza, cujas detenções foram transmitidas ao vivo nas redes sociais.

“Não se trata apenas de encarceramento arbitrário, mas de um processo de inibição geral em torno do movimento político”, observa Murillo. A repressão é vista como um crime contra a humanidade e um padrão de perseguição política, como argumenta Uzcátegui. “Maduro parece ter optado por manter o poder de forma repressiva e militar, diante da possibilidade de investigação pelo TPI”, completa.

A repressão forçou líderes da oposição como María Corina Machado e Edmundo González Urrutia a se esconderem. Machado reapareceu em uma manifestação em Caracas, mas González Urrutia não é visto em público desde 30 de julho. “Estamos adotando estratégias para evitar a localização, mas nosso posicionamento político permanece firme”, afirma Perkins Rocha.

O Foro Penal continua a trabalhar para apresentar denúncias ao Ministério Público venezuelano, controlado pelo chavista Tarek William Saab, que confirma as prisões, mas atribui as mortes e abusos a María Corina Machado, que pode ser indiciada por homicídio e conspiração.

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