Apesar da promessa de maior transparência nas emendas parlamentares, conforme expressa a nota conjunta dos três Poderes, setores do governo Lula (PT) ainda temem que o Legislativo busque manobras na regulamentação para manter maior controle sobre esses valores.
Integrantes do Executivo estão preocupados que deputados e senadores possam aproveitar o debate no Congresso para expandir seu poder sobre a destinação dos recursos públicos.
Atualmente, a Constituição garante aos parlamentares dois tipos de emendas: individuais e de bancada. Juntas, elas representam 3% da Receita Corrente Líquida (RCL), o que equivale a R$ 33,6 bilhões para este ano.
As emendas de comissão, por sua vez, são uma ferramenta mais recente, prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), e não possuem a mesma permanência ou valor garantido, sendo sujeitas a negociações anuais e bloqueios para atender regras fiscais.
Há preocupações de que, no médio prazo, os congressistas possam apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para transformar as emendas de comissão em impositivas, o que representaria uma derrota para o governo.
Esse processo não é inédito. A LDO já foi a base para a criação das emendas individuais e de bancada, que posteriormente foram incorporadas à Constituição.
Caso uma PEC nesse sentido seja aprovada, um membro do governo sugere que isso seria como o Congresso entregar os anéis, mas ficar com os dedos mais gordinhos.
Aliados do presidente enxergam a nota divulgada após o almoço no STF (Supremo Tribunal Federal) como uma carta de intenções. Há, no entanto, uma percepção entre parlamentares e membros do Planalto de que o impasse sobre as emendas enfraqueceu o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que está tentando emplacar um sucessor.
Lira, conhecido por controlar uma parte significativa das emendas de comissão, enfrenta dificuldades devido ao bloqueio dos recursos, o que atrapalha suas negociações para apoiar um sucessor.
Nos bastidores, há rumores de que a atuação do ministro Flávio Dino, do STF, teve apoio de membros do Executivo, indicando uma colaboração entre os dois Poderes para enfraquecer o Congresso.
O acordo anunciado para resolver a crise das emendas foi visto como uma vitória para o governo Lula, ao destinar recursos para obras estruturantes, conforme o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). No entanto, críticos apontam que muitas das exigências já estavam em vigor para essas emendas.
Outro aspecto positivo, segundo defensores do acordo, é que as emendas não devem crescer mais do que o aumento das despesas discricionárias, evitando que uma parte cada vez maior das despesas livres seja alocada para emendas.
Ainda assim, há ceticismo sobre a eficácia dessa medida, especialmente com o aumento esperado das despesas obrigatórias como Previdência e Bolsa Família, que podem reduzir as despesas discricionárias.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), comentou que o acordo focou apenas no cenário de crescimento e não abordou a possibilidade de redução das despesas discricionárias.
Outro ponto positivo é que a liberação dos recursos está condicionada à definição de novas regras negociadas entre Judiciário, Legislativo e Executivo.
Interlocutores no Planalto preveem intensos debates durante os próximos dez dias para definir esses novos parâmetros. Eles acreditam que o Parlamento pode tentar evitar a transparência e manter o controle das emendas.
O senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que também controla uma parte significativa desses recursos, expressou preocupações sobre possíveis restrições que possam afetar municípios importantes. Ele está propondo sugestões para garantir que ninguém fique sem recursos.
Alcolumbre é visto como possível sucessor de Pacheco na presidência do Senado em 2025. Ao ser questionado sobre a possibilidade de o Congresso tentar aumentar a impositividade das emendas, o senador negou.
Alcolumbre teve uma reunião com Lula na noite de terça-feira sobre emendas, e o petista também se encontrou separadamente com Lira e Pacheco durante a semana.
Uma ala do governo minimiza a possibilidade de que o Congresso articule estratégias para contornar as negociações. Dois ministros afirmam que Lira e Pacheco concordaram com os termos discutidos na reunião do STF, que não incluíam a transformação das emendas de comissão em impositivas.
Durante a reunião de terça-feira, um ponto controverso foi a proposta de desvinculação do valor das emendas da receita corrente líquida do governo, o que poderia levar a uma redução futura dos recursos parlamentares. Para esses ministros, o poder de Lira e do futuro presidente da Câmara seria reduzido ao evitar a individualização das emendas de bancada. Atualmente, os presidentes das comissões enviam as verbas de acordo com acordos prévios com líderes da Casa.