Um país que conseguiu universalizar o acesso à energia elétrica e telecomunicações deveria considerar inaceitável não ter alcançado padrões similares no saneamento básico. No entanto, o Brasil parece ter se acostumado com uma realidade que revela claramente suas desigualdades, o custo de suas escolhas e o longo caminho que ainda precisa percorrer para superá-las.
Embora tenha retornado ao grupo das dez maiores economias do mundo, o Brasil ocupa a 81ª posição entre 135 países no que diz respeito ao acesso à rede de esgoto e a 62ª posição no acesso à água, segundo um estudo do Banco Mundial divulgado pelo Estadão.
Essa comparação internacional ilustra bem a situação interna do país. Dados oficiais mostram que cerca de 15% da população brasileira ainda não tem acesso à água potável, e metade não possui rede de esgoto. Além disso, quase 50% do esgoto coletado não recebe tratamento adequado.
A aprovação do marco do saneamento pelo Congresso em 2020, que incentivou a entrada da iniciativa privada em um setor anteriormente dominado por estatais, trouxe esperança de que a situação seria finalmente abordada. A lei estabeleceu que, até o final de 2033, 99% da população deve ter acesso à água potável e 90% deve contar com coleta e tratamento de esgoto. As metas deveriam estar presentes em todos os contratos, e as empresas precisariam comprovar sua capacidade econômica e financeira para atingi-las dentro do prazo estipulado.
Quatro anos depois, embora os investimentos tenham aumentado significativamente, eles ainda não são suficientes para alcançar as metas até 2033. A Sabesp, por exemplo, que recentemente passou por um processo de privatização, planeja antecipar o prazo para 2029 em municípios paulistas. No entanto, especialistas do setor já consideram inevitável a extensão desse prazo até 2040, no mínimo.
A Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) informou que o investimento médio em 2022 e 2023 foi de R$ 24,6 bilhões por ano, quando o necessário era de R$ 74,4 bilhões anuais, totalizando R$ 893 bilhões até 2033. Com esse ritmo, as metas de universalização só seriam alcançadas em 2057.
A GO Associados, em estudo encomendado pelo Instituto Trata Brasil, estimou investimentos anuais médios de R$ 20,9 bilhões entre 2018 e 2022, enquanto o mínimo necessário era de R$ 46,3 bilhões para alcançar a meta de R$ 509 bilhões até 2033. Se o cenário atual persistir, a universalização dos serviços só se concretizaria em 2046, no melhor dos casos.
O descumprimento de prazos legais não é novidade. Se a Política Nacional de Resíduos Sólidos tivesse sido implementada corretamente, o Brasil não teria mais lixões ativos desde 2014. O prazo foi prorrogado para 2021 para capitais e regiões metropolitanas e até 2024 para municípios menores, mas ainda há cerca de 3.000 lixões no país. Apenas 40% do lixo gerado tem destinação adequada, conforme dados da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema).
Os investimentos em saneamento enfrentam um desafio adicional: o intervalo entre a decisão de investimento e a implementação dos resultados é superior aos quatro anos desde a aprovação do marco. Essa demora torna o setor menos atraente para gestores que buscam resultados rápidos, embora seja interessante para investidores de médio e longo prazo, como fundos de investimento estrangeiros.
É essencial manter o marco do saneamento, investir na capacitação dos municípios e apoiá-los na elaboração de contratos de concessão e licitações. Adiar as metas de universalização por meio de mudanças legislativas não será suficiente para alcançar os objetivos. Sem um compromisso temporal claro, a cobertura de saneamento continuará avançando lentamente em comparação com outros serviços públicos.