Após um século de problemas relacionados ao chamado “balanço de pagamentos”, onde a escassez de dólares causava crises cambiais sucessivas na economia brasileira, os últimos dez anos viram as contas públicas se tornarem o principal obstáculo ao crescimento do País.
A dependência de dólares foi superada com as medidas do Plano Real e o aumento dos preços das commodities, que possibilitaram ao Banco Central acumular reservas. Isso é uma grande diferença em relação à Argentina, que ainda enfrenta uma crise de falta de dólares.
No entanto, desde 2015, o Brasil passou a enfrentar uma crise diferente: a que afeta a saúde das contas públicas. Esse problema se agravou devido a várias medidas econômicas equivocadas, principalmente durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff.
Desde então, o setor público tem enfrentado déficits consecutivos e uma escalada da dívida pública, o que aumenta a percepção de risco por investidores. O País teve apenas dois anos com superávit, ambos por razões excepcionais. Em 2021, o governo federal registrou déficit, mas foi compensado por Estados e municípios. Em 2022, houve a “rolagem” de gastos com precatórios e o Orçamento de 2023 foi projetado com um novo déficit.
“FHC deixou o governo com um superávit primário de 3% do PIB. Treze anos depois, em 2015, o País apresentava um déficit de 2%. Em 2021 e 2022, o País voltou a ter superávit, mas em 2023 retornou ao déficit”, afirma o economista Fábio Giambiagi, pesquisador associado do Ibre/FGV. “É verdade que, em 2023, as contas foram desarrumadas por responsabilidades compartilhadas entre os governos Bolsonaro e Lula, mas a falta de controle de gastos no governo atual agravou ainda mais a situação”, diz.
Durante o governo de Michel Temer, foi implementado o teto de gastos, que ajustava o Orçamento apenas pela inflação anterior, sem crescimento real. No entanto, essa regra foi se deteriorando gradualmente, já que várias despesas continuaram a crescer, levando o governo de Jair Bolsonaro a abrir uma série de exceções.
No primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a equipe econômica conseguiu aprovar um novo arcabouço fiscal, que permite o crescimento das despesas equivalente a 70% do aumento das receitas, com um limite de até 2,5% ao ano acima da inflação.
O problema surgiu com o retorno das regras de indexação para o salário mínimo, agora vinculado ao crescimento do PIB, e para os pisos de saúde e educação, atrelados à arrecadação do governo. Isso faz com que esses gastos cresçam a um ritmo mais acelerado do que o teto permitido pelo arcabouço, comprimindo outras despesas no Orçamento e colocando a nova regra fiscal em risco, já considerada insustentável por parte do mercado.
O resultado é uma crise de confiança que desvaloriza o real, afasta investimentos, pressiona a inflação e leva a um aumento nas taxas de juros.
Especialistas identificam pelo menos cinco principais causas para esse problema crônico: elevados gastos com a Previdência Social, altos custos com servidores públicos, carga tributária superior à média de outros países emergentes e novas pressões em itens como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e os pisos da saúde e da educação.
A equipe econômica liderada por Fernando Haddad tem buscado recuperar receitas como estratégia para reduzir o déficit. Até agora, as medidas foram insuficientes, e economistas apontam para a urgência de uma política efetiva de redução de despesas, uma agenda que enfrenta resistência do presidente Lula e da ala política do governo.
Com o dólar acima de R$ 5,70 na semana passada, especialistas afirmam que é cada vez mais urgente que essa agenda ganhe tração no governo federal.
Abaixo estão os cinco principais pontos que transformaram a crise fiscal em uma crise econômica crônica que impede o crescimento do País:
- Despesas com a Previdência Social
A Previdência Social é a maior despesa primária do governo federal, representando 42% de todo o gasto do governo, cerca de R$ 919 bilhões de um Orçamento previsto de R$ 2,283 trilhões. Os gastos com a Previdência saltaram de R$ 602 bilhões em 2012 para R$ 898 bilhões em 2023, um aumento de 49,2% em pouco mais de uma década. Isso fez com que o déficit do INSS subisse de R$ 77 bilhões para R$ 306 bilhões no mesmo período. A tendência é que a situação se agrave, mesmo com a reforma da Previdência aprovada em 2019. - Despesas com pessoal
Os gastos com servidores públicos representam uma grande parcela do Orçamento Federal. Para 2024, a previsão é que 18% do gasto primário seja destinado a salários de servidores. Embora esses gastos tenham caído desde a implementação do teto de gastos pelo governo Temer e o congelamento de salários, há o risco de um “efeito rebote” com categorias se mobilizando por aumentos salariais. Em 2023, o governo Lula concedeu um aumento linear de 9% para todos os servidores, que ainda é considerado insuficiente pelos mesmos. - Carga tributária acima da média
Aumentar impostos foi uma solução adotada no passado para lidar com a crise fiscal, mas essa estratégia parece estar esgotada. Em 1995, a carga tributária era de 27,43% do PIB e chegou a 33,64% em 2007. No ano passado, estava em 32,44% do PIB. O Brasil está muito acima da média da América Latina (21,65%). As revisões nas projeções de receita levaram a um contingenciamento recente de R$ 3,8 bilhões no Orçamento. Reequilibrar as contas apenas pelo lado das receitas não parece ser a solução. - Gastos com Benefício de Prestação Continuada (BPC)
O BPC garante um salário mínimo por mês a idosos com mais de 65 anos ou a pessoas com deficiência, independentemente de contribuição ao INSS. O aumento recente nos gastos com o BPC motivou um congelamento de R$ 15 bilhões e há suspeitas de fraudes na concessão do benefício. O governo está implementando um programa de revisão para conter o crescimento das concessões. - Indexação dos pisos da saúde e da educação
A revogação do teto de gastos trouxe de volta os pisos de saúde e educação atrelados ao aumento da receita do governo. Esses pisos fazem com que os gastos com essas áreas cresçam automaticamente, o que pressiona outras despesas e pode comprometer a nova regra fiscal, que limita o crescimento do gasto total do governo a 2,5% ao ano acima da inflação. Para 2024, o piso da saúde deve chegar a R$ 223,2 bilhões e o da educação a R$ 149,4 bilhões.