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domingo, 22 setembro, 2024
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Desespero no Consulado: Venezuelanos enfrentam filas quilométricas para garantir direito ao voto

Por Marina B.

A fila do lado de fora do Consulado da Venezuela em Madri se estende por um quarteirão inteiro. Mulheres grávidas, famílias com crianças pequenas, idosos e pessoas com deficiência chegam às 4h da manhã – cinco horas antes da abertura do escritório – na tentativa de se registrar para votar nas eleições presidenciais da Venezuela, em 28 de julho.

Adriana Rodríguez, de 47 anos, deixou a Venezuela em 2018. Recentemente, ela chegou às 8h no Consulado em dois dias seguidos. Em ambas as ocasiões, esperou quatro horas antes de chegar à frente da fila, apenas para ser rejeitada com a mesma desculpa: “Eles não poderiam registrar mais pessoas”, disse.

Com o presidente autoritário da Venezuela, Nicolás Maduro, mal posicionado nas pesquisas antes da votação, o governo impõe regras rigorosas que tornam o registro para votar quase impossível para milhões de venezuelanos que vivem no exterior, incluindo nos Estados Unidos, Espanha e países da América Latina. Muitos deixaram seu país devido às duras condições econômicas e políticas.

As táticas do governo equivalem a uma fraude eleitoral em grande escala, dizem especialistas, já que até 25% dos eleitores da Venezuela vivem fora do país – e um grande número provavelmente não votaria em Maduro. De um total de 21 milhões de eleitores, entre 3,5 milhões e 5,5 milhões de venezuelanos são elegíveis para votar fora do país. No entanto, apenas 69 mil estão registrados para votar.

— Eles estão intencionalmente privando as pessoas de seus direitos — disse Fernanda Buril, vice-diretora da Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais, uma organização que promove a democracia. — É uma violação completa de todos os padrões de integridade eleitoral.

Nos consulados venezuelanos em vários países, centenas de cidadãos esperam dia após dia em longas filas, enfrentando atrasos inexplicáveis, instruções confusas e exigências inesperadas de funcionários despreocupados, segundo venezuelanos na Argentina, Chile, Colômbia e Espanha.

Rodríguez, uma designer de interiores que disse ter se sentido “forçada” a deixar a Venezuela após o aumento da repressão e a queda da economia, enfrentou intensa raiva e frustração ao ver pessoas que esperavam para se registrar serem recusadas por funcionários consulares. Ela, que gostaria de votar na oposição, disse que o sentimento é o de que estão “decepcionando” o país.

— Por que tenho que passar por isso para exercer meu direito de votar? — ela perguntou.

A autoridade eleitoral da Venezuela e seu embaixador na Espanha não responderam a vários pedidos de comentário.

‘Fraude eleitoral’

Maduro acusou a oposição de planejar cometer “fraude eleitoral” e organizar um golpe de Estado. Segundo especialistas, em alguns casos, o governo venezuelano está aplicando rigorosamente as regras existentes para tornar mais difícil o registro. A tática mais comum, dizem, é o uso de uma lei que exige que cidadãos no exterior possuam “residência” ou “permanência legal” no país onde vivem para poderem votar. No ciclo eleitoral atual, a regra tem sido usada para rejeitar muitas formas de identificação – incluindo vistos, que eram aceitos no passado.

Na Colômbia, cerca de dois milhões de venezuelanos têm status de proteção temporária como parte de um esforço histórico do governo local para legalizar quase todos os venezuelanos no país. A Venezuela, porém, não aceita esse status como prova de residência. Para venezuelanos no Uruguai, o governo venezuelano exige um cartão de identificação uruguaio de quatro anos, embora o Uruguai não emita tais cartões para residentes legais estrangeiros com validade superior a três anos.

— A fraude eleitoral não é mais apenas o enchimento de urnas no dia da eleição. É em todo o processo — disse Buril, acrescentando que, ao levantar obstáculos para votar no exterior, o governo da Venezuela está seguindo um manual usado por outros países não democráticos.

A próxima votação pode ser decisiva para determinar o futuro da democracia em um país que possui as maiores reservas de petróleo do mundo, mas viu cerca de oito milhões de pessoas, um quarto de sua população, partirem em meio a uma economia em colapso e anos de regime autoritário. O governo transferiu a responsabilidade de realizar eleições livres e justas sob pressão dos EUA e em troca de alívio das sanções americanas. Mas o governo de Maduro tem impedido uma votação credível.

Ainda assim, uma oposição unida e o que as pesquisas sugerem ser uma intensa fome de mudança entre muitos venezuelanos podem representar o maior desafio ao domínio de 11 anos de Maduro no poder.

Erosão dos direitos

A validade dos direitos de voto começou a ser questionada há mais de dez anos e tem piorado progressivamente, disse Eugenio Martínez, diretor da Votoscopio, uma organização de monitoramento eleitoral. De acordo com a lei venezuelana, os cidadãos no exterior devem poder se registrar durante todo o ano em qualquer embaixada ou consulado se tiverem um cartão de identidade nacional venezuelano, mesmo que este esteja vencido. Mas o governo tem permitido o registro apenas por períodos limitados.

Este ano, a autoridade eleitoral designou um período de 29 dias entre março e abril para que os venezuelanos se registrassem ou atualizassem suas informações pessoais, incluindo onde vivem e seu local de votação. Mas até mesmo esse período foi encurtado em várias embaixadas e consulados por uma variedade de problemas, incluindo falhas de computadores. Durante a breve janela que o governo abriu, apenas 508 venezuelanos conseguiram se registrar para votar em todo o mundo.

— Chamamos isso, sem medo de exagerar, de uma fraude pré-eleitoral em massa — disse Ligia Bolívar, que mora em Bogotá, na Colômbia, e é fundadora da Provea, organização venezuelana de direitos humanos.

Em países que romperam relações diplomáticas com o governo de Maduro, como os Estados Unidos, os venezuelanos não têm como se registrar para votar.

Novas regras adotadas para a eleição deste mês também especificam que os candidatos apresentem um passaporte venezuelano válido, um documento que pode custar mais de US$ 300 (R$ 1,6 mil). Isso equivale a cerca de um terço do salário mensal de Dayana Hernández como recepcionista em um consultório odontológico na Espanha. Ela deixou a Venezuela em 2018, depois que o agravamento da crise econômica do país tornou difícil conseguir cuidados para seu filho, que tem autismo.

Hernández culpou o governo de Maduro, que ela esperava poder votar contra. Sem poder realizar o registro, porém, ela disse ter se sentido “devastada e impotente”, com a sensação de que “não posso contribuir”.

‘Última chance’

Bolívar, fundadora da Provea, chamou de “paradoxal” o fato de que as pessoas mais afetadas pela crise econômica e pelo governo autocrático da Venezuela provavelmente terão pouca influência na determinação do futuro do país. Ela, que está em Bogotá há cinco anos, não conseguiu se registrar porque tem o visto colombiano atualmente há três anos – menos que os cinco anos necessários para se tornar residente permanente e ser elegível para se registrar para a eleição na Venezuela.

— As pessoas tinham muita expectativa de se registrar — disse. — Mas o governo pôs fim a tudo isso.

Victor Faza, de 25 anos, é venezuelano e vive na Argentina. Ele não conseguiu se registrar por causa de um passaporte vencido, mas se tornou ativo numa organização local sem fins lucrativos que solicitou ao Consulado da Venezuela a criação de mais postos de registro. Ainda assim, disse, falar com funcionários do órgão para facilitar o registro eleitoral era “como falar com a parede”. O jovem deseja voltar ao seu país, mas apenas se eleições livres levarem à mudança de governo.

— Não me vejo voltando à Venezuela sob uma ditadura — afirmou ele. — Esta é a última oportunidade de ver nosso país livre.

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