O presidente Lula da Silva expressou estar “com a consciência tranquila” com seu atual ministro-chefe da Casa Civil. Em meio aos seus característicos discursos diretos durante uma recente visita à Bahia, Lula encontrou uma forma peculiar de defender o titular da pasta e, de certa forma, seu principal colaborador no Palácio do Planalto, o ministro Rui Costa. Ao elogiar a atuação da Casa Civil, implicitamente criticou outros ministros sem mencioná-los nominalmente, revelando as dinâmicas internas na Esplanada dos Ministérios. Um ponto de surpresa.
“Ter o Rui na Casa Civil, junto com sua equipe, me permite dormir todas as noites tranquilamente, sabendo que ninguém está tramando contra mim”, declarou o presidente durante um discurso em Feira de Santana. Para Lula, tanto Rui Costa quanto a secretária executiva do ministério, Miriam Belchior, são essenciais porque “nenhum ministro consegue mentir sem ser desmentido por eles”. “Por isso às vezes vocês ouvem falar de divergências entre Rui e outros ministros”, acrescentou.
O ex-governador da Bahia tem sido frequentemente alvo de críticas por parte de seus colegas ministros, enfrenta reservas de muitos parlamentares no contexto da difícil articulação política com o Congresso, e está no centro de algumas das decisões mais controversas do governo. Ele se tornou uma figura central nas intrigas palacianas, conhecidas como “politique politicienne” na terminologia francesa. Em alguns casos, essas divergências refletem opiniões contrastantes, algo natural num governo de coalizão multipartidária. Outras vezes, revelam simplesmente conflitos de ambições e interesses.
Em todo caso, a declaração de Lula expõe a desconfiança que permeia suas relações com os auxiliares – uma dinâmica conhecida nos bastidores do poder, onde ministros e assessores frequentemente buscam contornar o controle presidencial, ocultar falhas, influenciar decisões e proteger suas próprias posições. Especialmente diante de um líder como Lula, que utiliza essas divergências internas para exercer seu poder como um árbitro ungido. Contudo, esses desafios não são exclusivos do universo petista; o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também enfrentava dilemas similares ao lidar com a “solidão do poder”.
A Casa Civil, sobretudo na gestão lulopetista, apresenta singularidades relacionadas à sua importância como o ministério responsável por coordenar as demais pastas e pela articulação política central. Fisicamente próxima ao gabinete presidencial, a Casa Civil desempenha um papel fundamental, monitorando o trabalho dos demais ministérios e agências governamentais, além de articular políticas públicas e estratégias de infraestrutura.
Entretanto, a eficácia da Casa Civil durante o governo de Lula tem sido questionada. Politicamente, houve vários fracassos nas negociações com o Congresso, enquanto administrativamente, houve demonstrações repetidas de ineficiência na condução de políticas cruciais para o país. Apesar disso, a Casa Civil permanece como uma âncora para que Lula possa exercer sua liderança, repreendendo indiretamente outros ministros quando necessário e impondo sua visão intervencionista, como visto nas questões envolvendo a Petrobras.
Uma Casa Civil eficaz não só orienta o governo na direção correta, evitando dispersões e priorizando iniciativas, mas também garante a estabilidade política necessária ao presidente. Contudo, as razões pelas quais Lula afirma dormir tranquilamente refletem mais suas preocupações com intrigas internas e benefícios eleitorais do que um compromisso genuíno com o progresso do país. No fim das contas, quem não consegue dormir tranquilo é o Brasil.