A empresa que venceu lotes no leilão internacional de arroz do governo federal foi contratada por R$ 19,8 milhões para fornecer 212 mil sacas de milho ao governo da Bahia, controlado pelo PT, seis meses antes. Ambas as licitações foram conduzidas pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), empresa pública responsável por regular os preços dos alimentos.
O leilão de arroz importado foi suspenso pelo governo federal devido a suspeitas de fraudes, após a mídia revelar que os lotes foram arrematados pela ASR Locação de Veículos e Máquinas, uma empresa inicialmente conhecida por comércio de queijos e processamento de polpas de frutas. O envolvimento dessas empresas está sob investigação da Polícia Federal e da Controladoria Geral da União (CGU).
Assim como no leilão de arroz, a ASR foi representada pela Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso e pela Foco Corretora de Grãos, ambas pertencentes a Robson Luiz Almeida de França. O envolvimento de França no leilão de arroz resultou na demissão do ex-deputado Neri Geller (PP-MT) da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura na semana passada.
Geller foi exonerado após a descoberta de que França foi seu assessor na Câmara dos Deputados de dezembro de 2019 a julho de 2020 e tem negócios com um de seus filhos. O ex-deputado argumenta que França possui muitos contatos políticos e questiona a insistência do ministro Rui Costa (Casa Civil), ex-governador da Bahia, em realizar o leilão de arroz.
A ASR Locação de Veículos é considerada pelos investigadores como uma “empresa de fachada”. Desde sua fundação em 2019, a empresa ampliou seu escopo para incluir 22 diferentes atividades econômicas, como serviços de buffet, manutenção de ar-condicionado, obras de engenharia e terraplanagem. Ela informa à Receita Federal que sua principal atividade é a locação de veículos e máquinas pesadas. Em 23 de fevereiro, a empresa incluiu a atividade de atacadista de cereais. Quando participou do leilão de milho em dezembro de 2023, ainda não tinha essa atividade. Apenas em 16 de maio, 22 dias antes do leilão de arroz importado, a empresa incluiu a importação e exportação de cereais e leguminosas, conseguindo arrematar o terceiro maior lote, no valor de R$ 112 milhões.
A empresa já teve oito sócios e seu endereço é em um coworking que oferece salas para reuniões eventuais. Durante o leilão de milho, a empresa estava registrada em nome de Amanda dos Santos Araujo, que foi listada como proprietária da ASR de 2021 até este ano. Em 19 de abril, Amanda deixou o negócio e Crispiniano Espindola Wanderley assumiu o controle. Em 2020, antes de adquirir uma empresa com capital de R$ 5 milhões, Wanderley requisitou e recebeu auxílio emergencial de R$ 600 pago pelo governo durante a pandemia de covid-19. O leilão de arroz foi realizado com ele já na direção da empresa.
Entre as funções da Conab está a compra de alimentos para garantir estoques ao governo, regulando preços e evitando desabastecimento. No governo Lula, a Conab passou para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, mas ambas as pastas continuam compartilhando cargos. A presidência da Conab ficou com o PT, representado pelo ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário). João Edegar Pretto, filho do ex-deputado federal e fundador do MST Adão Pretto, amigo de Lula, foi escolhido para o cargo. Pretto assina os editais dos leilões de milho e arroz. O PT também emplacou Silvio Porto como diretor de Política Agrícola e Informações da Conab, próximo do ministro Rui Costa. Na quarta-feira passada (19), o líder da bancada ruralista, deputado Pedro Lupion (PP-PR), questionou o envolvimento de Porto no leilão de arroz e propôs a convocação do ministro.
A compra de milho pelo governo da Bahia foi feita por meio do programa “Leilão Pra Você”, oferecido pela Conab. A Conab elabora o edital, define o preço, as condições de participação, executa e homologa o resultado do leilão e liquida a operação. A CAR (Companhia de Desenvolvimento Regional da Bahia) informa que todas as sacas de milho foram entregues e distribuídas.
A Conab afirma que “somente disponibilizou o serviço ‘Leilão Pra Você’ a pedido da CAR” e que “não houve nenhum pagamento por parte da Conab nesta operação”.
O governo federal anunciou uma segunda rodada do leilão de arroz para evitar aumento de preço e desabastecimento devido à crise climática no Rio Grande do Sul, maior produtor de arroz do país. A CNA (Confederação Nacional de Agricultura), a bancada ruralista e a área técnica da Conab argumentam que, apesar da crise, 99,2% da área total já havia sido colhida no período, tornando o leilão desnecessário.