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quinta-feira, 10 outubro, 2024
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Simone Tebet propõe cortes radicais em benefícios sociais

Por Marina B.

A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, inaugurou esta semana um novo confronto público entre a equipe econômica e a ala política do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No cerne do embate está a proposta de Tebet de desvincular do salário mínimo o piso de aposentadorias, pensões e outros programas sociais, como o abono salarial, o seguro-desemprego e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). A formalização do plano não ocorrerá de imediato; a ministra planeja apresentá-lo ao restante do governo até o final de 2025, conforme declarou ao jornal “O Estado de S. Paulo”.

A incerteza paira sobre a sobrevivência do projeto até lá. Este seria o primeiro passo efetivo de contenção de gastos no atual mandato de Lula, algo amplamente requisitado de uma administração que até o momento buscou principalmente aumentar a arrecadação.

Entretanto, se implementado, o plano afetaria significativamente parte da base eleitoral do presidente, que vem sofrendo queda de popularidade nos últimos meses, conforme indicam diversas pesquisas. Alterar a correção das aposentadorias e outros benefícios também vai contra princípios históricos de Lula e do PT, que defendem a expansão dos gastos sociais e ações destinadas às camadas de renda mais baixa.

Os planos da ministra não param por aí: também está em consideração a incorporação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) ao limite mínimo de gastos em educação, possibilitando a economia de recursos ao reduzir outras despesas na área.

Essas medidas, ainda em fase de estudo, seriam cruciais para reduzir os gastos públicos “no atacado”, conforme comparou Tebet em entrevista ao jornal “Valor Econômico” ao expor a ideia. A reação da presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, foi imediata: “Desvincular a Previdência do salário mínimo e incluir o Fundeb na conta do piso da Educação são ideias muito ruins, que contrariam o programa de governo eleito em 2022”, escreveu a deputada no X.

“Se adotadas, iriam prejudicar diretamente milhões de aposentados e alunos de escolas públicas, a população que precisa ser protegida pela ação do Estado, ações estas garantidas na nossa Constituição. É no mínimo preocupante que sejam defendidas pela ministra Simone Tebet. Responsabilidade fiscal não tem nada a ver com injustiça social”, acrescentou.

A agenda também enfrentou críticas de outros membros do governo. “Sou totalmente contra essa proposta, que acho absurda”, disse o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, ao “Estadão”. “Se é para apresentar uma proposta dessas, vamos logo acabar com a política de valorização permanente do salário mínimo.”

Para o ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), a sugestão de Tebet não tem viabilidade. “Isso é tirar renda da parte mais pobre da população”, afirmou Lupi ao mesmo veículo. “Lutarei contra.”

Na primeira menção ao assunto, a ministra do Planejamento teria indicado que, conforme previsto pela Constituição, proporá a correção das aposentadorias e demais benefícios pela inflação, conforme o “Valor”.

Contudo, ao “Estadão”, ela garantiu que haverá aumento real, embora menor do que o do salário mínimo. “Eu não vou desvalorizar essas políticas, vou fazê-las crescer acima da inflação”, afirmou.

Segundo Tebet, uma redução de R$ 10 a R$ 15 no benefício individual pode resultar em uma economia de R$ 10 bilhões ou R$ 15 bilhões em despesas, que poderiam ser realocadas para outros programas. “É preciso garantir que, com isso, ninguém fique fora do Orçamento brasileiro ou da Previdência.”

Até o momento, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que também já se envolveu em conflitos com a cúpula do PT, não se pronunciou oficialmente sobre o assunto. No entanto, a avaliação de membros da ala política do partido é de que as ideias de Tebet teriam sua aprovação, mas que o ministro teria “terceirizado” a tarefa de tornar a notícia pública.

Na semana passada, o ministro compartilhou no X um artigo do economista Bráulio Borges, da Fundação Getulio Vargas (FGV), que, entre outras medidas, recomenda justamente a desvinculação do salário mínimo e dos benefícios.

Borges escreve no texto: “O salário mínimo é uma variável que deve ser reajustada ao longo do tempo em termos reais, refletindo ganhos de produtividade da mão de obra, mas é uma variável que deve regular o mercado de trabalho, ou seja, a vida de quem está participando ativamente da produção econômica. As aposentadorias e pensões deveriam ser reajustadas apenas pela inflação, mantendo o poder de compra ao longo do tempo”.

Em abril, ao comentar o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia, Haddad afirmou que a manutenção de descontos na contribuição previdenciária desses agentes traria o risco de uma nova reforma da Previdência em três anos.

“Estamos desde outubro tentando conversar com os [17] setores e os municípios. O placar do Supremo [5 a 0 pelo fim da desoneração] deixa claro que temos de encontrar um caminho para não prejudicar a Previdência. Ou daqui a três anos vai ter de fazer outra reforma da Previdência, se não tiver receita. A receita da Previdência é sagrada, para pagar os aposentados. Não dá para brincar com essa coisa”, disse.

Na semana passada, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, alertou que o crescimento do gasto previdenciário requer atenção e mencionou “eventuais medidas que permitam que a dinâmica dessa despesa tenha um crescimento compatível com a sustentabilidade fiscal de médio e longo prazos”. Ele ainda classificou como “sinal de alerta” o aumento dos gastos com o BPC, destinado a pessoas idosas ou com deficiência.

Até o momento, Lula não entrou no debate, pelo menos não publicamente. Na terça-feira (7), no entanto, ele afirmou ficar “irritado” com a discussão sobre a meta fiscal, o que sugere que dificilmente aprovaria medidas de austeridade que afetem benefícios sociais.

“O que eu não posso é ficar com o sistema financeiro todo santo dia só olhando o déficit fiscal e não olha o déficit social. Olha as pessoas que estão desempregadas, que estão dormindo na rua e que estão passando fome. Pare de olhar só para o seu cofre, para a sua conta bancária. Olhe para o povo”, declarou.

As despesas na mira de Tebet consomem mais da metade do Orçamento federal. O Regime Geral de Previdência Social é o maior gasto do governo, excluindo os juros da dívida pública. Em 2023, essa rubrica consumiu R$ 899 bilhões, equivalente a 42,3% das despesas primárias da União. Mais de 60% dos benefícios previdenciários correspondem ao valor do salário mínimo.

Por outro lado, o BPC, o abono salarial e o seguro-desemprego responderam, no ano passado, por 7,8% dos gastos primários, ou R$ 166 bilhões.

A política de ganho real, adotada nos primeiros governos do PT, foi retomada na atual gestão de Lula. Pela regra, todo mês de janeiro o salário mínimo recebe, além do repasse da inflação do ano anterior, um reajuste real equivalente ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.

Embora estimule o consumo e o crescimento econômico, essa prática acelera alguns dos principais gastos do governo para além do permitido pelo arcabouço fiscal aprovado em 2023. Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, cada R$ 1 de aumento no salário mínimo eleva as despesas da União em R$ 389 milhões.

A segunda proposta anunciada por Tebet, de incluir o Fundeb no cálculo do piso constitucional da educação, poderia resultar em um corte de até 1,8% das atuais despesas primárias.

De acordo com a Constituição, o governo deve gastar no mínimo 18% de sua receita líquida de impostos em educação. Além disso, deve financiar o Fundeb, que não é contabilizado na regra.

Até 2020, a União contribuía com 10% do fundo, e os demais 90% vinham de impostos estaduais e municipais. No entanto, uma emenda constitucional aprovada naquele ano determinou a elevação gradual da fatia federal, que passou para 12% em 2021, hoje está em 19% e chegará a 23% em 2026.

Essa emenda impulsionou os gastos do governo com o Fundeb. Entre 2020 e 2023, eles saltaram de R$ 15 bilhões para R$ 37 bilhões. Nesses três anos, sua fração no bolo do orçamento mais que dobrou, passando de 0,8% para 1,8% das despesas primárias.

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