Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, ainda não formalizou o comitê encarregado de elaborar uma nova versão do projeto de lei sobre Fake News, conforme anunciado por ele há 20 dias.
A decisão de retomar o debate sobre o PL, que está estagnado na Casa há quase um ano sem consenso, surgiu após o confronto entre o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e Elon Musk, CEO da rede social X (antigo Twitter), no início deste mês.
José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, destacou aos líderes e a Lira a necessidade de retomar as discussões sobre o projeto de lei. No entanto, os parlamentares avaliaram que o parecer elaborado por Orlando Silva (PC do B-SP) foi influenciado pela polarização política e não teria apoio suficiente para avançar.
Lira propôs a formação de um grupo de trabalho para elaborar uma nova proposta, praticamente reiniciando o processo de discussão sobre a regulamentação das redes sociais.
“O projeto não teria chance de ser discutido. Hoje estamos estabelecendo um grupo de trabalho composto por parlamentares de diferentes partidos interessados em contribuir com este tema (…) para tentar, em um curto espaço de tempo, desenvolver um texto que tenha possibilidade de ser apresentado em plenário e aprovado sem as disputas políticas e ideológicas que cercam o [PL] 2630. Ele estava destinado ao fracasso, não tinha para onde ir”, disse Lira à imprensa em 9 de abril.
No entanto, até o momento, o grupo não foi oficializado e nem foram discutidos o formato ou o escopo do trabalho.
Deputados consultados pela reportagem indicam que isso sugere que a regulamentação das redes sociais não deve voltar à agenda da Câmara em um futuro próximo. Eles observam, no entanto, que dependendo do desenrolar das eleições municipais, o debate pode se tornar inevitável.
Parlamentares de esquerda criticaram a iniciativa de Lira, argumentando que isso prejudica a discussão sobre o tema. Eles defendem que era necessário empenho para desbloquear a votação do parecer já elaborado por Silva e discutido pelos parlamentares no ano passado.
Por outro lado, representantes do centrão defendem a escolha de um deputado do centro para relatar uma eventual nova proposta.
O projeto de lei prevê, entre outros pontos, responsabilizar as plataformas por conteúdos criminosos publicados. Aprovado no Senado, o texto teve sua tramitação interrompida na Câmara no primeiro semestre de 2023, após a oposição ganhar força no debate.
No entanto, há um consenso entre os deputados de que a demora da Câmara em debater o tema levará o Judiciário a legislar sobre o assunto.
Um líder do centrão, sob reserva, afirma que era necessário responder ao conflito entre Moraes e Musk, por isso a sugestão do grupo de trabalho, mas que atualmente não há clima para retomar as discussões.
Ele aponta que este é um tema delicado que pode afetar a tramitação de outras matérias consideradas prioritárias para o Legislativo e o Executivo, como os projetos de regulamentação da reforma tributária.
“Os líderes discutiram a criação de um grupo de trabalho para retomar esse assunto, sem comprometer datas ou conteúdo das discussões, já que o projeto de Orlando foi arquivado”, diz Altineu Côrtes (PL-RJ), líder do PL na Câmara.
É debatida a possibilidade de incluir no escopo do grupo o tema da regulação da inteligência artificial (IA), que preocupa o Congresso às vésperas das eleições municipais.
Segundo a assessoria de imprensa de Lira, o presidente da Câmara pretende indicar os membros do grupo “o mais rápido possível”, mas ainda não há previsão de quando isso acontecerá.
“Não foi criado até agora porque estamos avaliando o melhor momento para isso, e as indicações dos líderes partidários. O presidente Arthur Lira acredita que é possível avançar com o tema na Câmara dos Deputados, desde que haja disposição de todos os partidos para construir uma proposta consensual”, diz em nota.
Guimarães é um dos que defendem rapidez no processo e afirma que é “essencial” estabelecer o grupo. “Precisamos enfrentar essa discussão. Não podemos ficar inertes”, declara.
Orlando Silva tem indicado a parlamentares a necessidade de definir o escopo do grupo antes de decidir se irá ou não participar.
Em entrevista à Folha, Silva destaca uma postura cautelosa de Lira. “Minha impressão sempre foi de que ele estava inclinado a favor da regulação das plataformas digitais. Ele está buscando o melhor caminho”, diz.
“É um assunto delicado, há controvérsias, mas o mundo está avançando na regulamentação das plataformas digitais”, afirma. “No Brasil, criou-se o fantasma da censura. Não vejo que as regras europeias, que nos servem de inspiração, tenham esse efeito. Pelo contrário, o debate no Brasil elaborou mecanismos para proteger a liberdade de expressão. Além disso, é uma narrativa.”
Na visão de alguns parlamentares, a investida de Musk contra Moraes fortaleceu a posição crítica dos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em relação ao projeto, dificultando a articulação dos governistas em seu favor. Nesse sentido, deputados da base aliada de Lula (PT) cobram maior empenho do governo para destravar a votação.