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segunda-feira, 30 setembro, 2024
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O nordeste se volta contra Lula: Apoio histórico em declínio

Por Alexandre G.

Na última quinta-feira, dia 4, o pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou um marco significativo em Arcoverde, município localizado no sertão de seu estado natal. A nova estação, integrante da chamada Adutora do Agreste, um segmento da transposição do Rio São Francisco, será responsável por fornecer água a 68 municípios de uma das regiões mais áridas do país. No dia seguinte, estava agendada uma visita emblemática: a inspeção das obras da Ferrovia Transnordestina, que conectará o porto de Pecém, no Ceará, ao Piauí, e posteriormente se ligará à Ferrovia Norte-Sul. A recente viagem ao Nordeste representa apenas uma das muitas atividades na agenda movimentada do líder petista na região. Ele realizou dezoito viagens em 2023 e cinco até agora neste ano, o que demonstra um foco considerável nesta área do país. Esse movimento é compreensível, uma vez que o eleitorado nordestino, tradicionalmente uma base da esquerda, está mostrando sinais de que a simpatia por Lula e seu governo não é mais a mesma de tempos anteriores.

A constatação dessas fissuras na base política vem de diversas fontes. Pesquisas recentes conduzidas por três institutos (Ipec, AtlasIntel e Paraná Pesquisas) indicam uma queda de mais de dez pontos na aprovação do terceiro mandato de Lula no Nordeste (consulte os gráficos). Outros levantamentos mostram que a deterioração desse apoio também se reflete nas três maiores cidades da região: Fortaleza, Salvador e Recife. Em Fortaleza, por exemplo, a insatisfação com o governo aumentou em dezessete pontos percentuais em apenas um ano, de acordo com o Paraná Pesquisas. Embora Lula ainda mantenha a aprovação da maioria dos eleitores da região, essa oscilação negativa é preocupante, especialmente a menos de seis meses de uma eleição municipal que tanto Lula quanto o PT consideram estratégica. Em 2016, ano em que o PT teve seu pior desempenho eleitoral devido à Lava Jato, o partido conquistou apenas uma capital, Rio Branco. Na eleição seguinte, não obteve vitórias em nenhuma capital, algo que não acontecia desde a fundação do partido. Para este ano, a expectativa é lançar pelo menos 125 candidatos a prefeito em cidades com mais de 100.000 habitantes, e doze ou treze nas capitais. No Nordeste, os petistas liderarão candidaturas em Fortaleza, Teresina, Natal e Maceió, mas não lideram nenhuma delas nas pesquisas. Em João Pessoa, uma candidatura petista é uma possibilidade. Em cidades como São Luís, Salvador, Aracaju e Recife, a tendência é que o PT apoie candidatos de outros partidos. O senador Humberto Costa, coordenador do Grupo de Trabalho Eleitoral do partido, acredita que o PT possa ser competitivo pelo menos em Teresina, Fortaleza e Natal, mas isso exigirá o apoio do principal líder político do partido. “Contamos com a força do presidente Lula e das lideranças locais, que se juntam ao PT, para obtermos um bom desempenho eleitoral na região este ano”, afirma.

O PT reconhece que um bom desempenho no Nordeste este ano, mesmo em eleições municipais, garantirá uma base política sólida na região daqui a dois anos, quando Lula deverá tentar a reeleição. Por isso, o presidente aproveitou sua recente agenda na área para discutir questões eleitorais. No Recife, ele se encontrou com o prefeito João Campos (PSB) para resolver a questão da indicação do vice na chapa, uma demanda do PT. No entanto, o prefeito está relutante, já que lidera confortavelmente as pesquisas, tem uma gestão bem avaliada e é amplamente esperado que concorra ao governo estadual em 2026. O PT propõe a indicação para vice-prefeito em troca de apoio na disputa estadual. No Ceará, Lula e o PT enfrentam o desafio de escolher entre cinco pré-candidatos a prefeito de Fortaleza. A definição será feita em um encontro municipal, sem a necessidade de prévias, mas é certo que haverá a participação direta de figuras próximas ao presidente, como o ex-governador cearense e atual ministro da Educação, Camilo Santana.

A oposição, por sua vez, percebeu a fragilidade e intensificou sua presença no Nordeste. O casal Jair e Michelle Bolsonaro tinha uma agenda marcada para Maceió na sexta-feira, dia 5, a capital mais bolsonarista do Nordeste – em 2022, foi a única que deu mais votos ao ex-presidente do que a Lula. O prefeito, João Henrique Caldas (PL), buscará a reeleição como candidato bolsonarista. No sábado, a ex-primeira-dama receberá o título de Cidadã Honorária de Maceió e participará de eventos do PL Mulher, enquanto o ex-presidente se dedicará a articulações com políticos locais. Esse roteiro na capital alagoana é exatamente o mesmo seguido em Salvador no início de março. A peregrinação de Bolsonaro em “território vermelho” também incluirá João Pessoa, onde o ex-presidente participará de um evento com o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga, pré-candidato a prefeito da capital paraibana pelo PL. Segundo o ex-ministro Gilson Machado, Bolsonaro também visitará em breve as cidades de Recife e Caruaru, ambas em Pernambuco. A hegemonia da esquerda na região, um fator determinante nas vitórias de Lula nas campanhas presidenciais, é antiga e foi construída em grande parte pela ação do próprio petista. Em 1993, uma década antes de se tornar presidente, ele iniciou a primeira Caravana da Cidadania, percorrendo 48 cidades em sete estados, a maioria no Nordeste, para ouvir as demandas da população. Essa estratégia resultou em ganhos eleitorais e, anos depois, contribuiu para consolidar o PT como uma força política na região. Durante os dois primeiros mandatos de Lula, o Nordeste experimentou um grande crescimento impulsionado por políticas públicas, programas de distribuição de renda, infraestrutura e investimentos. Entre 2003 e 2013, a região teve um crescimento econômico anual de 4,1%, acima da média nacional de 3,3%. No mesmo período, o número de estudantes universitários aumentou de 400.000 para 1,4 milhão. Em 2013, o Nordeste representava 13,5% do PIB nacional, o maior percentual da série histórica. Programas como Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Luz para Todos e Cisternas contribuíram para aumentar a popularidade de Lula nos estados nordestinos. Além disso, a identificação do eleitorado com a história de retirante de Lula, frequentemente destacada em seus discursos até hoje, também desempenhou um papel importante.

Uma das razões para a frustração atual na região é, precisamente, no campo econômico: a expectativa gerada pela volta de Lula ao poder ainda não se traduziu em um novo período de prosperidade. Apesar da taxa de desemprego nacional ter diminuído para 7,8% no primeiro trimestre deste ano, o Nordeste ainda apresenta a maior taxa de desemprego entre as regiões, com 10,4%. Todos os estados nordestinos têm taxas de desemprego superiores à média nacional, sendo que a Bahia possui a maior taxa do país (13,3%), seguida por Pernambuco (13,2%). Além disso, as famílias nordestinas de baixa renda foram as mais afetadas pela inflação, de acordo com um estudo da FGV. “O segundo semestre de 2023 não registrou crescimento econômico. Isso complica a popularidade de qualquer presidente, especialmente em sua base eleitoral”, afirma Ecio Costa, professor de economia da Universidade Federal de Pernambuco. “Para o eleitor nordestino, que esperava uma melhoria mais rápida, parece que o sonho acabou”, avalia Murilo Hidalgo, diretor do instituto Paraná Pesquisas.

Além da economia, outra área em que os problemas da agenda nacional têm um impacto maior no Nordeste é a segurança pública, que preocupa muitos brasileiros. A região concentra quase metade das cinquenta cidades mais violentas do país, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e enfrenta ondas de criminalidade na Bahia e no Rio Grande do Norte, ambos governados pelo PT. “A população compreende as dificuldades do primeiro ano de governo, mas agora espera resultados”, avalia Márcia Cavallari, CEO do instituto de pesquisas Ipec. Há também a percepção de que o governo atual continua priorizando o discurso em defesa da democracia, que foi relevante em certo momento, mas não é suficiente para sustentar um governo a longo prazo. “O PT continua evocando a ideia de que a vitória de Lula salvou a democracia, mas essa compreensão já está consolidada entre o eleitorado. E o governo tem falhado em comunicar claramente quais são as próximas pautas prioritárias”, afirma Yuri Sanches, diretor de risco político do instituto AtlasIntel.

No governo, há uma preocupação inegável com esse quadro. Publicamente, no entanto, a estratégia mais adotada é seguir a orientação do líder e afirmar que “o tempo de amadurecimento dos frutos plantados ainda está por vir”. “As pesquisas mostram preocupação, é claro, mas precisam ser decodificadas de maneira mais precisa”, diz o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira. À frente de uma das pastas mais ativas na atenção ao Nordeste, ele menciona ações com potencial para reverter o cenário, como o programa Sertão Vivo, que pretende investir inicialmente 1,8 bilhão de reais para financiar projetos de 430.000 famílias no semiárido nordestino. Outra aposta é a renegociação das dívidas dos pequenos agricultores por meio de uma espécie de “Desenrola Rural”. Também há expectativas em relação a novos programas e promessas audaciosas para a educação, área na qual estados como Ceará, Pernambuco e Piauí têm se destacado nacionalmente. Um dos principais destaques é o Pé-de-Meia, que incentiva a permanência de alunos do ensino médio na escola por meio de uma bolsa mensal. Lula também anunciou a meta de criar 100 novos institutos federais até 2026, sendo 38 deles no Nordeste. “São políticas efetivas que, com certeza, terão impacto”, avalia o ministro da Educação, Camilo Santana. Para Paulo Pimenta, a expectativa elevada do eleitorado com a vitória de 2022 pode ter levado à frustração. “Alcançamos um nível de apoio muito alto no Nordeste e sabemos que, quanto maior o apoio, maior é a expectativa. Aos poucos, o trabalho do governo se tornará mais evidente”, confia.

Quando Lula chegou ao poder pela primeira vez, na eleição de 2002, foi aclamado por 62% dos eleitores do Nordeste na disputa contra José Serra (PSDB). Na eleição seguinte, contra outro tucano, Geraldo Alckmin, ele obteve 77% dos votos na região, mesmo desgastado pelo mensalão. Desde então, o PT sempre manteve em torno de 70% de apoio, inclusive na derrota de Fernando Haddad para Bolsonaro em 2018, quando Lula estava preso. Os sinais de descontentamento devem, portanto, preocupar Lula, especialmente porque é quase certo que seu principal adversário em 2026 virá do bloco de governadores do Sul-Sudeste, que atua cada vez mais de forma coesa e com uma agenda nacional. Nesse cenário iminente, as primeiras rachaduras que surgem na histórica fortaleza petista são algo que não pode ser ignorado.

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