Após registrar seu nível mais baixo em cinco anos ao término de 2023, a inflação para as famílias de baixa renda, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), é prevista para encerrar 2024 com uma taxa superior à do ano anterior. Esta é a projeção da maioria dos especialistas consultados pelo jornal Valor, os quais apontam os alimentos como os principais responsáveis pelo aperto no bolso do consumidor de baixa renda em 2024. Após um 2023 relativamente estável, os preços dos alimentos estão mais altos este ano devido à escassez resultante de problemas climáticos.
No ano passado, a queda nos preços dos alimentos foi o principal fator por trás da menor taxa anual do INPC, que engloba famílias com renda mensal entre 1 e 5 salários mínimos e é calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2023, o INPC avançou apenas 3,71%, a menor taxa anual desde os 3,43% de 2018.
Entretanto, em 2024, o INPC aumentou de 0,57% para 0,81% entre janeiro e fevereiro, alcançando a mais alta taxa mensal desde abril de 2022 (1,04%). Com esse aumento, o INPC em 12 meses atingiu 3,86%, o maior resultado desde outubro de 2023 (4,14%).
Outro índice que reflete a evolução dos preços para os mais pobres também acelerou no início de 2024 — o indicador Ipea de inflação por faixas de renda. Nos dois primeiros meses do ano, o custo de vida para famílias com renda domiciliar mensal muito baixa (até R$ 2.105,99 por mês) subiu 1,44%, enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 1,25% no mesmo período. O IPCA mede o custo de vida médio para famílias que recebem de 1 a 40 salários mínimos. Os serviços, especialmente os mais sensíveis à demanda, têm maior peso para famílias de maior renda.
Para Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, há diversos sinais de que o INPC deve acelerar este ano. Ele não descarta a possibilidade de o indicador encerrar o ano acima do IPCA, o índice oficial de inflação. “Nossa projeção é de IPCA em 4% e de INPC em torno de 4,10% e 4,20%”, afirma Leal.
Ele destaca que há uma relação estreita entre a inflação da baixa renda e a inflação dos alimentos. Na prática, quando os preços dos alimentos aumentam, isso tende a elevar automaticamente a inflação da baixa renda. Para ilustrar, Leal calcula as taxas acumuladas em 12 meses com base no indicador Ipea por faixas de renda. De janeiro para fevereiro deste ano, a inflação para a renda alta (domiciliar acima de R$ 21.059,92) em 12 meses desacelerou de 5,67% para 5,4%. No mesmo período, no entanto, a inflação para a renda muito baixa acelerou de 3,46% para 3,6%. Além disso, no acumulado em 12 meses, o custo de vida no domicílio aumentou de 0,68% para 1,77%. Leal destaca também o aumento significativo dos preços de itens da cesta básica, como arroz e feijão, no início do ano, impulsionando a inflação da baixa renda.
André Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), também destaca a inflação mais alta entre os de baixa renda. Ele calculou uma inflação para famílias com renda muito baixa, com base no Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que representa 30% dos Índices Gerais de Preços (IGPs) da fundação. No acumulado em 12 meses, o indicador acelerou de 2,98% em janeiro para 3,33% em fevereiro. Embora não seja uma taxa muito elevada, está ganhando força. Foi a maior taxa desde outubro de 2023 (3,50%) para esse índice. “A variação nos preços dos alimentos afeta todos, mas os mais pobres sentem mais [em suas despesas] devido ao peso no orçamento”, resume Braz.
Maria Andreia Parente Lameiras, pesquisadora do Ipea, concorda. “Um quarto da cesta dos mais pobres é [para a compra de] alimentos”, diz ela. “Assim os alimentos acabam direcionando a inflação entre os mais pobres, para cima ou para baixo.” Problemas climáticos causados pelo El Niño no final do ano passado e a perspectiva do impacto do La Niña em meados deste ano tornaram os alimentos mais caros, além da expectativa de safras menores em 2024, detalha ela.
Lameiras observa, no entanto, que um aspecto que pode ajudar a conter uma inflação mais alta entre os mais pobres é o fato de 2024 ser um ano de eleições municipais. Isso pode inibir reajustes de tarifas de ônibus urbanos, geralmente autorizados por gestores públicos municipais. Esse fator pode ajudar a “segurar” parte do avanço do INPC, já que a tarifa de ônibus urbano representa sozinha cerca de 2,2% do indicador.
Adriano Valladão, economista do Santander, afirma que, embora os sinais indiquem uma inflação mais alta para a baixa renda, isso não significa uma “disparada descontrolada” nos preços que afetam mais os mais pobres. “Estamos projetando um aumento de 3% [para alimentação no domicílio]”, diz ele. Em 2023, houve uma deflação de 0,5% nesse grupo. Assim como o economista-chefe da G5 Partners, Valladão também prevê uma taxa do indicador de baixa renda acima da do ano passado.
Valladão destaca que o INPC é usado para a correção inflacionária do salário mínimo, um ponto também mencionado por Stephan Kautz, economista-chefe da EQI Asset. Dessa forma, o comportamento do indicador este ano terá efeito no nível de reajuste do salário mínimo em 2025. “Isso é algo a se observar”, diz Kautz.
Quanto aos alimentos em particular, Kautz está otimista e espera uma desaceleração da inflação nos próximos meses. Mesmo com a perspectiva do La Niña em meados deste ano, as oscilações climáticas do fenômeno aparentemente podem não ser tão drásticas como foram com o El Niño, avalia ele.
Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, acredita na possibilidade de o INPC encerrar até mesmo em um nível igual ao do ano passado. Ela estima que o indicador ficará entre 3,7% e 3,8% em 2024 — em 2023, a alta foi de 3,71%. Vitória diz que a inflação de alimentos no domicílio deve ser mais pressionada este ano devido à provável menor oferta de alimentos, causada por fenômenos climáticos atípicos. No entanto, ela ressalta que outros itens dentro do INPC podem ajudar a conter o avanço do indicador.
Além do ônibus urbano, cuja tarifa deve ficar “bem comportada”, por ser ano eleitoral, Vitória cita a energia elétrica, que representa sozinha 4,9% do INPC. “Não podemos nos esquecer de que estamos esperando uma bandeira tarifária verde para este ano.”