Não é surpresa que o regime ditatorial de Nicolás Maduro tenha vetado o registro da principal chapa de oposição para a eleição presidencial de julho, pois isso marca o ápice de um processo marcado por irregularidades, fraudes e violência política, características do chavismo desde sua origem. Da mesma forma, não é chocante que apenas agora o governo brasileiro, por meio do Itamaraty, tenha demonstrado alguma “preocupação” com a clara deterioração da democracia na Venezuela.
Embora tardio, o reconhecimento pelo Itamaraty de que o regime de Nicolás Maduro está falhando em cumprir suas promessas de garantir uma eleição minimamente justa e competitiva foi feito com cautela, para evitar ofender o ditador, que é próximo de Lula da Silva. Este mesmo Lula, aliás, não se conteve em suas palavras ao comparar Israel à Alemanha nazista.
Segundo a nota do Itamaraty, com base nas informações disponíveis, a candidata indicada pela Plataforma Unitaria, Corina Yoris, foi impedida de registrar sua candidatura, apesar de não haver decisões judiciais pendentes contra ela, o que vai contra os acordos de Barbados, nos quais Maduro se comprometeu com a transparência eleitoral em troca da suspensão das sanções dos EUA à Venezuela.
Entretanto, há muito tempo o regime chavista vem impedindo sistematicamente que os principais líderes da oposição participem das eleições, seja através de detenções arbitrárias ou da proibição de suas candidaturas. Um exemplo disso foi o caso da ex-deputada María Corina Machado, considerada inelegível pela Justiça Eleitoral, controlada pelo governo, apesar de liderar as intenções de voto em pesquisas independentes.
Em vez de denunciar a arbitrariedade do regime venezuelano, Lula da Silva optou por criticar María Corina, sugerindo que ela desistisse de concorrer. E quando María Corina indicou Corina Yoris como sua sucessora, foi em vão. Yoris não conseguiu registrar sua candidatura devido à falta de acesso ao sistema de inscrição. O prazo para registro já expirou. María Corina suspeita que qualquer candidato indicado por ela enfrentaria o mesmo destino: a exclusão da disputa eleitoral. Apenas “opositores” aprovados pelo regime conseguiram registrar suas chapas.
Apesar disso, o Itamaraty expressou sua esperança de que a eleição de julho possa ser um passo importante para a normalização da vida política e o fortalecimento da democracia na Venezuela, país vizinho e amigo do Brasil. No entanto, essa expectativa é agora praticamente impossível. Não há como “fortalecer” a democracia na Venezuela quando ela já está ausente há décadas, e o regime ditatorial só se fortalece.
A abordagem diplomática de Lula da Silva em relação à Venezuela em seu terceiro mandato é coerente com a adotada nos dois anteriores, na década de 2000, quando ele assistiu passivamente à gradual tomada do Legislativo, do Judiciário, das Forças Armadas e das instituições estatais pelo regime de Hugo Chávez. O silêncio de Brasília diante da violação do Estado de Direito venezuelano e da perseguição à oposição, não resultou em qualquer enfraquecimento do regime. No entanto, essa postura pusilânime continua sendo a posição oficial do Brasil.
O governo Lula nunca considerou a possibilidade de se juntar ao grupo de países da região que, coletivamente, expressam preocupação a cada ato autoritário de Maduro nos últimos meses. Brasília permanece isolada até mesmo em relação a vozes respeitáveis da esquerda, como a do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, que condenam abertamente a natureza autoritária do regime venezuelano.
O recente sinal de desconforto do Itamaraty diante da mais recente demonstração de autoritarismo de Maduro ainda está longe, tanto em forma quanto em conteúdo, de refletir o interesse brasileiro em condenar inequivocamente qualquer regime autoritário, independentemente de sua afiliação ideológica.