O cenário de escassez de medicamentos para hanseníase tem sido um desafio enfrentado pelo Ministério da Saúde. Como resultado, pacientes em todo o país estão impossibilitados de iniciar ou são obrigados a interromper seus tratamentos.
De acordo com um documento do ministério obtido pela Folha, os medicamentos essenciais para o tratamento primário da hanseníase, como a poliquimioterapia e a clofazimina, são fornecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), porém ainda não foram recebidos.
O Ministério da Saúde informou que a OMS atribuiu o atraso à problemas de produção e logísticos no transporte marítimo, especialmente na região do Oriente Médio. A previsão é que esses produtos sejam recebidos ainda em março.
Entretanto, o próprio Ministério da Saúde reconhece, no documento, que os quantitativos recebidos de clofazimina no ano de 2023 já não eram suficientes para suprir a demanda crescente, devido ao aumento do consumo.
Entidades destacam que a distribuição irregular dos medicamentos já era uma realidade desde o início da pandemia da Covid-19, e que o ministério não apresentou nenhum plano alternativo eficaz para lidar com essa situação.
Em resposta à escassez, o ministério sugere o uso de medicamentos de segunda linha, como o esquema ROM (Rifampicina + Ofloxacino + Minociclina) em dose única mensal. Segundo o ministério, há embasamento científico para essa recomendação.
No entanto, especialistas apontam que esses medicamentos de segunda linha não são eficazes para todos os tipos de hanseníase e também estão em falta em algumas regiões. Francisco Faustino Pinto, coordenador nacional do Morhan, ressalta que há estudos científicos de eficácia apenas para a forma indeterminada da doença, não sendo adequados para outros tipos.
Marco Andrey Cipriani Frade, presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia, critica as abordagens simplistas e irresponsáveis adotadas pelo Ministério da Saúde, como a proposta do esquema ROM mensal, sem respaldo científico, e a falta simplesmente de medicamentos.
Os representantes das entidades ainda apontam que há falta de conhecimento por parte do ministério sobre a realidade das unidades de saúde locais, já que muitas delas também não possuem os medicamentos de segunda linha.
Essa escassez de medicamentos está impactando diretamente pacientes como Jairon Pereira Lima, que aguarda desde fevereiro para iniciar o tratamento em Porto Nacional (TO). Lima relata o aumento dos sintomas da doença e a intensa dor muscular, enquanto enfrenta a demora na disponibilidade do medicamento.
A gravidade da situação levou a Sociedade Brasileira de Hansenologia a denunciar o Ministério Público do Rio de Janeiro, com uma audiência marcada para terça-feira (26), e pacientes em outros estados também estão buscando apoio do órgão.
Segundo dados do Ministério da Saúde, houve um aumento de 4,8% nos novos casos de hanseníase, evidenciando a urgência de medidas eficazes para lidar com a doença.
Em resposta, o Ministério da Saúde afirma que está tomando medidas para evitar novos desabastecimentos, incluindo audiências públicas para explorar a possibilidade de produção nacional dos medicamentos de primeira linha. O projeto vencedor para esse fim foi apresentado pelo Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco, mas ressalta-se que a implementação dessa produção é um processo complexo e demandará tempo.