A disputa tributária entre contribuintes e o Estado brasileiro atingiu R$ 5,7 trilhões em 2020, o equivalente a 75% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, de acordo com o levantamento do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper. Esse valor supera o valor de mercado das 371 empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), que juntas valem R$ 4,7 trilhões. O montante envolve contenciosos tanto administrativos quanto judiciais, que incluem empresas e pessoas físicas questionando a cobrança de tributos por parte da União, dos Estados e dos municípios.
O principal fator por trás desse litígio trilionário são os tributos sobre o consumo, que representam uma parcela significativa, somando R$ 2 trilhões das disputas. Os pesquisadores do Insper, incluindo Breno Vasconcelos, Carla Novo, Larissa Longo e Lorreine Messias, apontam que a reforma tributária aprovada pelo Congresso Nacional no final de 2023 representa uma oportunidade para reduzir o número de contenciosos no futuro, com o potencial de simplificar o sistema tributário brasileiro.
A reforma tributária prevê a unificação de cinco tributos sobre o consumo em um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) e um Imposto Seletivo que incidirá sobre bens e serviços nocivos à saúde e ao meio ambiente. A expectativa é que essa reestruturação diminua o potencial de litígios, uma vez que o atual sistema, com seus mais de 5.500 municípios, 26 Estados e o Distrito Federal criando legislações próprias e concedendo benefícios fiscais, tem contribuído significativamente para o aumento dos contenciosos.
Contudo, os especialistas também destacam que a reforma ainda tem pontos de incerteza que podem gerar novos litígios. Entre os pontos críticos estão questões relacionadas ao ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis), cuja cobrança pode ser antecipada, e o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), que pode incidir sobre a previdência privada. Além disso, há dúvidas sobre a aplicação do Imposto Seletivo e a classificação dos produtos que farão parte da cesta básica nacional, o que pode gerar mais disputas.
Historicamente, o volume de litígios tributários no Brasil é alimentado por três fatores principais: a quantidade excessiva de normas tributárias, a imprevisibilidade da jurisprudência (como os tribunais interpretam as regras) e a morosidade nos processos judiciais. Segundo o levantamento do Insper, a duração média de um julgamento de contenciosos tributários federais é de 16 anos, considerando todas as etapas do processo, desde as instâncias administrativas até o processo judicial de execução fiscal.
A demora nos julgamentos é um reflexo das ineficiências do sistema. Por exemplo, a lei estabelece um prazo de 360 dias para que o Fisco dê uma decisão administrativa, mas, na prática, o tempo médio é de 924 dias (2,5 anos) na primeira instância e 1.287 dias (3,5 anos) na segunda. Na Justiça Federal, o tempo médio de um processo de execução fiscal chega a 10 anos.
Outro problema é a falta de ações de governança para prevenir novos contenciosos. De acordo com Carla Novo, apenas sete dos 54 entes da federação (Estados e capitais) abordados na pesquisa possuem medidas de governança tributária. A ausência de alinhamento entre diferentes órgãos, como as secretarias de Fazenda e as procuradorias estaduais, frequentemente gera divergências internas, exacerbando o problema.
Apesar dos desafios, os pesquisadores acreditam que a implementação do Comitê Gestor, órgão responsável por administrar as decisões referentes ao IBS (o IVA estadual e municipal), e a harmonização com o Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), que julgará as questões relacionadas ao CBS (o IVA federal), poderão ajudar a melhorar a governança e reduzir a geração de novos litígios no futuro.
No entanto, a transição para o novo sistema tributário exigirá atenção contínua, já que a simplificação do modelo deve ser acompanhada de um esforço para não criar novas ambiguidades jurídicas.